A cena lembra o texto No Restaurante, do livro O Poder Ultrajovem, do Carlos Drummond de Andrade. Nele, um pai vai com a filha a um restaurante e ela já entra pedindo:
— Quero lasanha!
O pai tenta convencê-la a comer uma omelete de camarões, mas ela está irredutível:
— Quero lasanha!
Olívia é deste tipo. Acorda de manhã e pede:
— Quélo ovinho mexido!
E não há santo que a faça mudar de ideia. Não há santo e nem pai:
— Filha, não quer comer uma frutinha antes?
— Não, quélo ovinho mexido!
— Olha, tem banana, mamão, melancia…
— Ovinho mexido!
— Mas filha…
Ela põe as mãos nas minhas bochechas e diz:
— Papaizinho, quélo ovinho mexidinho.
E vamos lá fazer o ovo mexido da moleca. Ela vem atrás de mim e traz a sua cadeirinha.
— Quélo ajudar.
Ela coloca a cadeirinha em frente à pia, abre a geladeira, pega o ovo, coloca o ovo em cima da pia e sobre na cadeira. Eu pego uma tigela e juntos quebramos o ovo. Ela quer bater o ovo e colocar o sal, e faz isto muito bem. Na hora de ir para o fogão, ela se afasta e passa a acompanhar da porta da cozinha.
— Tá mexendo o ovo, pai?
— Estou.
— Vai colocar o requeijão?
— Vou.
— Tá ficando plonto?
— Tá.
— Oba! E vou querer suco de lalanja.
— Tá.
O ovo fica pronto e ela corre para a mesa. Recebe o prato e começa a soprá-lo. Eu volto para a cozinha para fazer o suco. Quando retorno à mesa, ela praticamente já comeu todo o ovo.
— Já?
— Já. Agola, vou queler banana.
— Ok.
— Volto com a banana e ela abre um sorriso antes de comê-la. Depois, pergunta se tem pão, manteiga e presunto. Eu coloco tudo na mesa e ela começa a me dizer como vai querer comer cada parte do pão:
— Papai, quélo rodelinhas com manteiga. Este pedaço, quélo rasgadinho com manteiga. E este pedaço, quélo sanduíche com o plesunto.
— Tá, mas vamos rápido com isto porque está quase na hora de ir para a escola.
— Já sei: fala menos e come mais.
— Já que você já sabe: fale menos e coma mais.
Ela ri. E come. E pula da mesa já correndo para escovar os dentes. E já pergunta pelo uniforme. E quer pentear o cabelo sozinha. E dispara:
— Eu to quase plonta. Você vai assim?
Eu me visto correndo para não atrapalhar a programação da menina. Tão pequenina e já tão poderosa no controle da sua vida. Um poder que esta geração tem. Um poder megaultrajovem.
De Filha Para Pai
— Pai, quélo ver a parreila.
— Então, vamos trocar de calçada.
— Olha, um cachinho de uvinhas bem pequenininhas!
— Que lindo!
— E este aqui é o pai delas, porque é glandão.
— É bem grande mesmo.
— É, pai, é que nem você: glandão e bonitão.
A cota de autoestima do dia está garantida…